Casa do Sobreira

Peneda-Gerês

Uma visita ao único Parque Nacional do país pode servir para encher os pulmões de ar fresco e os olhos de verde. E também pode revelar-nos a dimensão onírica da Natureza, oferecendo-nos lugares que emanam encanto e mistério.”

O Parque Nacional da Peneda-Gerês compreende mais de setenta mil hectares de território protegido, que abrange as serras Amarela, do Gerês (a mais conhecida) e da Peneda. A paisagem é tão variada que depressa se compreende que o ponto de convergência é, muito simplesmente, a necessidade de protecção desta área.

O Parque Nacional da Peneda-Gerês é um exemplo da interação equilibrada entre o homem e a natureza que, durante vários milénios conviveram em quase perfeita harmonia. Devido ao relevo montanhoso das terras do Noroeste de Portugal, que vai do Concelho de Melgaço, nos planaltos de Castro Laboreiro, passando pela Serra da Peneda e Serra do Soajo no concelho de Arcos de Valdevez, Serra Amarela e do Gerês no concelho de Terras do Bouro, indo em direção a Trás-os-Montes até Pitões das Júnias e Tourém no concelho de Montalegre, a vida das comunidades humanas adaptaram-se aos rigores dos relevos geográficos, interagindo com os recursos naturais, aprendendo a tirar deles o necessário proveito para a sobrevivência em equilíbrio com o meio.
Estas comunidades aprenderam a respeitar e a aproveitar o que a própria natureza lhes dava e ensinava, sendo que, aqui e ali, a simbiose entre o relevo rochoso e natural da paisagem se confundem com a ocupação humana. Assim, podemos hoje usufruir de paisagens únicas onde as águas límpidas e puras, ainda que gélidas, mesmo em pleno período de verão, convidam muitas pessoas que visitam estas paragens a dar uns mergulhos nas lagoas naturais dos rios Gerês e Homem. Graças ao respeito que o homem desenvolveu ao longo de séculos pelo equilíbrio natural, chegou até nós um ecossistema muito preservado, tendo assim todas as características para se avançar para a criação de um parque nacional, cujo objetivo é manter as características desse ecossistema e assim fazer perpetuar um legado que as gerações passadas permitiram chegar até nós e que, devemos fazer eternizar a sua conservação para as gerações seguintes. Assim, foi criado no ano de 1971 o Parque Nacional da Peneda-Gerês que tem uma área de 72.000 hectares, de conservação autóctone onde a presença humana pouco interferiu com os ecossistemas.
Neste Parque existem espécies de animais e plantas senão únicas, muito raras no planeta. Estão inventariadas 235 espécies de vertebrados, 4 espécies de peixes entre eles a truta e a enguia, além disso encontra refúgio dentro do parque a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus), a lontra (Lutra lutra), o melro-de-água (Cinculus cinculus), o lagarto-de-água (Lacerta schereiberi), a rã-ibérica (Rana iberica) e a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica). No que toca à avifauna, estão identificadas 147 espécies, entre elas contam-se a águia-real (Aquila chrysaetus), a gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax), e o bufo-real, 15 espécies de morcegos, o esquilo-vermelho a marta (Martes martes), o arminho (Mustela erminea), as víboras (Vipera latastei e Vipera seoanei), o lobo (Canis lupus), e o símbolo do Parque Nacional, o corço (Capreolus capreolus). Mas, a biodiversidade do Parque Nacional não se fica por aqui. A Peneda-Gerês oferece-nos carvalhais, lameiros e vegetação ripícola, sendo esta, essencial para desenvolver a biodiversidade nos sistemas aquáticos e na retenção dos sedimentos erodidos hidricamente. Nesta vasta diversidade que conta com cerca de 627 espécies de plantas inventariadas dentro do Parque Nacional, podemos falar de alguns exemplares: a gilbardeira (Ruscus aculeatus L.), o padreiro (Acer pseudoplatanus L.) e o azereiro (Prunus lusitanica L. lusitanica), arando (Vaccinum myrtillus L.), o medronheiro (Arbutus unedo L.) e o azevinho (Ilex aquifolium L.) entre muitos outros.

Mas, como já se disse, o homem também é parte integrante deste espaço natural. Como se organizaram as comunidades locais e que contributos deram e dão à interação e conservação dos ecossistemas? O isolamento a que estas comunidades estavam sujeitas, determinou a forma de ver e interagir com o meio, tornando-a equilibrada, levando-as a valorizar e a aprender a tirar proveito dos recursos existentes. Assim, desenvolveram-se as atividades de agropecuária, com a criação de animais para consumo e uma atividade agrícola baseada no cultivo de cereais (milho e centeio) batata, feijão, a horticultura, a silvicultura, a apicultura, a pastorícia, na qual se destacam a criação de animais de qualidade reconhecida ainda hoje pela tradicional forma de os alimentar com as espécies nativas. Entre eles estão: o gado barrosão, e a cachena, a cabra-bravia e a ovelha-bordaleira. Além destes animais que tradicionalmente faziam parte da dieta local, temos a criação de porcos que dão origem ao tradicional fumeiro, com os seus enchidos e presuntos de renome nacional e além-fronteiras. Contudo, entre um dos mais emblemáticos animais domésticos que até à revolução das comunicações serviram como meio de transporte de pessoas e carga, temos o garrano que é um cavalo de pequena estatura mas, muito bem adaptado ao meio montanhoso da área do Parque Nacional.

Hoje, estes animais vivem maioritariamente em liberdade, em vida selvagem, fazendo as delícias dos viajantes que têm o privilégio de se cruzar com eles nas suas caminhadas pelos carreiros montanhosos que ligam aldeias isoladas e, ou, sítios de belíssima paisagem protegida nos domínios do parque.

Falarmos das comunidades do PN é falarmos de Castro Laboreiro, Peneda, Soajo, Lindoso, Terras de Bouro, Campo do Gerês, a extinta mas emblemática Vilarinho das Furnas, Caldas do Gerês, Cabril, Pitões das Júnias e Tourém, que, se notabilizaram pela forma organizativa e social. Naturalmente, não irei desenvolver muito sobre estes aspetos, apenas dar algumas dicas que se irão desenvolver em próximas edições de Geo-Lusitanum, dedicadas em particular a cada uma das representativas aldeias do PNPG. Mas, de uma forma geral, as populações aqui residentes por tempos imemoriais, desenvolveram estruturas comunitárias que, não sendo especificamente de alguém, eram de todos. Os terrenos baldios eram mantidos e geridos pelas comunidades para que estes servissem à população, deles tirando, lenha, madeira, o mato para fazer as camas dos animais, e por fim fertilizante para as terras de cultivo. Este equilíbrio permitiu que estas terras chegassem até nós muito bem conservadas de um ponto de vista ecológico. Entretanto, as formas de organização das comunidades, num ambiente agreste, como o que encontramos nestas paragens, onde no Inverno as temperaturas rondam as negativas, ocorrendo com frequência geadas e nevões, levaram a um conjunto de práticas organizativas territoriais como as que se verificam em Castro Laboreiro com a existência das brandas e inverneiras, lugares para onde as populações pastoris se deslocam consoante a época do ano. As brandas, localizadas em altitudes mais elevadas que podem chegar acima dos 1000 metros, são os lugares onde passam nove meses do ano, desde a entrada da Primavera até ao final do Outono, de onde se deslocam para as inverneiras, locais onde a altitude está abaixo dos 900 metros e ali irão passar os restantes três meses do ano.

Uma das mais emblemáticas localidades foi a de Vilarinho das Furnas, cuja comunidade tinha uma organização social muito própria, mas que se perdeu com a construção da barragem hidroelétrica, cuja albufeira submergiu a aldeia, levando à translocação dessa população para outras aldeias vizinhas. Naturalmente que, muitas dessas ancestrais formas de organização se deveram ao isolamento que estas tinham da restante sociedade cosmopolita dos grandes centros urbanos, onde o isolamento era, se não nulo, quase nulo.

Toda esta preservação está por de trás da beleza que o PNPG possui e nos delicia quando o visitamos. As paisagens que nele podemos usufruir em qualquer estação do ano são de uma beleza sem fim. O Planalto de Castro Laboreiro, a Serra da Peneda, o Soajo e o Lindoso com os seus famosos espigueiros comunitários, as Caldas do Gerês e sua envolvente montanha com os rios Homem e Gerês, os Carris bem próximo do ponto mais alto do PNPG, com o seu silêncio e bastíssima paisagem, fazem retemperar as energias psicológicas de qualquer visitante que se atreva a fazer a marcha de 12,5 km, entre a entrada do caminho junto à fronteira da Portela do Homem, onde se caminha vários quilómetros, cerca de metade, com do rio Homem por companhia. Se a experiência de orientação nos permitir fazer a continuidade desse trajeto, poder-se-ia caminhar até Pitões das Júnias por caminhos já meio apagados pela erosão do tempo e pelo trabalho árduo da natureza que vai revestido os lugares de vegetação. Mas, falar do património paisagístico do PN é uma façanha muito grande, uma vez que, em cada recanto deste território temos um sem número de belos panoramas para apreciar.